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POR QUE FAZER JARDINS DE CERRADO?

Até me mudar para Brasília, em 2014, eu nunca tinha ouvido falar que o Cerrado era uma savana. Para mim, savana era lar para zebras, leões e girafas – uma paisagem exclusivamente africana. Mesmo sendo mineira e tendo crescido em meio a capins e árvores de troncos retorcidos; mesmo tendo curso superior, em arquitetura e urbanismo; e mesmo trabalhando com paisagismo há ao menos sete anos: eu nunca tinha ouvido falar que o Cerrado era considerado uma savana.

Menos ainda, tinha ouvido falar que essa savana era a mais rica em biodiversidade do planeta (lar para mais de 12 mil espécies de plantas descritas, das quais mais de 40% não ocorrem em nenhum outro lugar), nem que era tida como a caixa d’água do Brasil por ser onde infiltram as águas que vão virar nascentes das três principais bacias hidrográficas do País. Se eu não sabia dessas coisas tão importantes, que ideia será que eu tinha de Brasil?

Confesso. Achava que o Brasil era basicamente um país de florestas e praias. Com umas coisas meio diferentes aqui e ali: umas vegetações mais baixas e tortas no meio do território, outras mais espinhentas para o nordeste, e uns campos em algum lugar do Sul também. Mas apenas como exceções que confirmavam a regra: somos um país florestal, com muito orgulho!

Para meu estarrecimento, descobri que antes da chegada dos humanos na América do Sul, essas “coisas meio diferentes” somavam 40% – quase a metade! – do território que hoje chamamos Brasil. E que elas podem ser classificadas, basicamente, em dois tipos de formações vegetais: campos e savanas, os ecossistemas não-florestais. “Teus risonhos, lindos campos têm mais flores,” reconhece nosso Hino Nacional. Embora associemos a imagem de campos floridos com países de climas temperados, somos, sim, terra de campos e savanas em flor.

Tudo isso fui descobrindo à medida em que eclodia em mim o desejo de usar em jardins essas flores e os muitos, muitos capins que cobrem os solos de nossos vastos ecossistemas não-florestais. Ao me mudar para Brasília e abrir meu escritório de arquitetura da paisagem, prometi para uma cliente que faríamos jardins com as ervas e os arbustos nativos do Cerrado, antes de descobrir que isso “era impossível”. Depois de ouvir muitas negativas a respeito da possibilidade de cultivo dessas plantas, minha sorte começou a mudar ao conhecer ecólogos que trabalham com restauração ecológica do Cerrado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Ali, vi trocarem pastos de braquiária por comunidades de capins, ervas, arbustos e árvores, todos introduzidos por semeadura direta. Se é possível restaurar, também é possível fazer jardins!

Desde 2015, encaramos a labuta que é introduzir essas plantas em paisagens construídas urbanas. Não é exatamente fácil, mas é possível e gratificante. Junto a muitas pessoas e instituições, fazemos expedições em busca de plantas com potencial paisagístico, coletamos amostras para identificação botânica e depósito em herbário, formulamos e executamos experimentos científicos e de jardinagem e abrimos um pequeno viveiro experimental onde cultivamos, a partir de sementes, dezenas de espécies de plantas nativas sem maiores dificuldades.

Aprendemos que solo é coisa séria e que as práticas convencionais de paisagismo e agricultura enxotam as plantas nativas para sempre: elas são avessas ao solo calcariado e cheio de nutrientes, preferindo os ambientes ácidos e mais pobres de onde vêm. Aqui reside, até agora, um dos nossos maiores desafios, já que solos inalterados são cada vez mais difíceis de encontrar.

Fazer jardins com plantas nativas têm uma série de vantagens: não demandam excessivas práticas de alteração de solo e de irrigação, dão suporte à fauna urbana – de pássaros a insetos polinizadores – e podem levar à conservação de espécies ex situ, ou seja, fora de seu habitat natural.

Mas, a meu ver, a grande importância de fazer jardins com plantas nativas está em apresentar as qualidades estéticas e ecológicas dos biomas naturais, e, com isso, ajudar a criar laços afetivos entre humanos urbanos e Natureza. Se não conhecermos nossa savana, que interesse teremos em cuidar dela? Que os jardins nativos possam ajudar a fazer florescer o carinho pelo Cerrado e o desejo de cuidar dele.

Por Mariana Siqueira

Texto originalmente publicado no site do Museu do Cerrado.

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